Não é surpresa para ninguém que o italiano Joe D'Amato foi um cineasta provido de poucos ou quase nenhum parafuso na cabeça. Realizador de clássicos polêmicos como Holocausto Canibal, Absurd, Buio Omega entre outros, ele tinha como marca registrada o extremismo descontrolado.
Suas obras não tinham limites colecionando inúmeras censuras, banimentos e processos por sempre elevar o gore de suas produções a um nível que Hollywood jamais se atreveria mesmo nos dias de hoje. Se hoje D'Amato seria cancelado? Ainda duvidam?
Em um de seus longas de 1980, O Antropófago (que recebeu assim como muitas obras da época trocentos títulos diferentes) o terror e o sangue jorram com gosto, mas nem foi isso que tornou este filme um cult entre os apreciadores, mas sim duas cenas em questão que geraram uma onda de nojo e mal estar quando assistidas na época: uma em que o antagonista canibaliza um feto recém parido e a cena final em que ele tenta comer suas próprias entranhas (foto acima) antes de pedir para abraçar o capeta no mármore dos infernos.
Se não fosse por isso, o filme ia cair no ostracismo pois o roteiro apesar de interessante era pouco criativo e o baixo orçamento (que mal pagava uma coxinha e um refrigerante caçulinha) deixou tudo muito simplesinho apesar dos efeitos práticos aceitáveis.
Mas deixem as considerações para o final senão não vai ter o que criticar desta obra e o resto desta postagem seria facilmente ignorável sobretudo para aqueles que choram feito menininhas em trajes de balé por conta de spoilers.
A coisa toda se inicia numa praia de uma ilha adjunta a um vilarejo grego visualmente maravilhoso porém desprovido de movimentação de banhistas, exceto por um casal de turistas que resolvem aproveitar a calmaria e a solidão para curtir o sol e o mar.
A paz do casal é cessada em segundos quando alguém misterioso ataca a mulher mortalmente enquanto nadava e o marido, totalmente inconsciente do ocorrido ouvia música pelo rádio e rapidamente também se torna presa do assassino que o mata plantando um cutelo em sua testa.
Logo mais, somos apresentados a um grupo de turistas: o casal Arnold e Maggie, Carol que é irmã de Arnold e finalmente Daniel, Julie e Andy que se juntam em uma Kombi alaranjada com destino a uma ilha grega onde desejam conhecer a praia e o vilarejo onde pretendem se hospedar. Preciso dizer que ilha é essa?
Chegando ao cais, o grupo freta um barco e se distraem com uma demonstração de cartomancia de Carol que tira a sorte de sua cunhada que está grávida, perto de dar a luz (responsabilidade é a alma do negócio por aqui, não?).
Segundo Carol, as cartas não revelam nada e segundo ela, quando as cartas não revelam o futuro de uma pessoa, significa que ela não terá um futuro.
Ao desembarcar, Maggie torce o tornozelo e acaba ficando na embarcação com Arnold até que possa se locomover com segurança.
Os outros adentram á vila e perambulam o lugar que parece completamente deserto, não se ouve uma única risada, um único suspiro, nada.
O grupo resolve se dividir para procurar um sinal de vida quando Daniel e Carol avistam uma mulher ao longe dentro de um dos casebres. Ao entrarem na humilde residência, avistam um aviso na janela escrito "vão embora" a dedo sobre a poeira do vidro imundo e logo adiante dão de cara com um cadáver apodrecido sabe-se lá há quanto tempo jogado no chão.
Enquanto isso, Magguie resolve pegar um pouco de água do mar em um balde para massagear seus pés cansados, porém acaba trazendo junto uma cabeça decapitada que ela só vê depois de pisotear sua protuberância molenga.
De volta ao grupo, geral se reúne dentro da casa e depois de analisar o cadáver o veredicto de que o corpo fora parcialmente devorado é praticamente unanime.
O barco que trouxe Arnold e os outros ao cais acaba zarpando enquanto Maggie é arrastada por alguém para dentro da ilha.
Sem ter o que fazer, o grupo se abriga em uma pousada abandonada tão logo a noite chega e por lá resolvem ficar até amanhecer.
Carol diz ao grupo que sentiu algo muito errado ao ler as cartas para Maggie e que aquela ilha tem vibrações negativas como se uma força diabólica tivesse tomado controle do lugar.
Mais tarde, sem o menor sono, Carol resolve andar sem rumo pela pensão e acaba encontrando Andy pelo caminho até que depois de caminhar um pouco, a dupla chega a uma adega, onde uma mulher perturbada pula de dentro de um barril atacando o rapaz com uma faca ferindo sua mão.
Os demais, ouvem os gritos dos amigos e vão ao seu auxílio tratando de acalmar a estranha levando-a para outro cômodo onde ela é limpa, afinal estava embebedada dentro de um barril cheio. Logo depois, a estranha que atende pelo nome de Henriette é interrogada e se subentende que alguém a está perseguindo.
Um tempo depois, Carol, Andy e Julie tem uma discussão, pois o rapaz está atraído por Henriette, enquanto a irmã de Arnold está apaixonada pelo rapaz porém sem ser correspondida.
Carol e Julie por sua vez discutem, pois Julie é culpada por tudo o que vem acontecendo desde o grupo chegou a ilha. Entristecida, a garota corre para extravasar até chegar a um cemitério adjunto a pousada onde é trancada na maior maldade por Carol que a abandona.
Não muito depois, Daniel e Arnold encontram Julie e a ajudam a sair, voltando para dentro da pousada.
Em outra parte, Henriette que dormia acaba acordando assustada e Andy que estava por perto, sente uma presença por lá e ao sair para investigar, é atacado por um homem deformado que enlouquecido crava seus dentes no pescoço do rapaz matando-o ao romper sua jugular.
Amanhecendo, Arnold pega Daniel e as garotas e deixam a pousada e no caminho o grupo começa a falar sobre uma história sobre um casal que naufragou nas águas próximas a aquela ilha há alguns anos e que o homem acabou perdendo a razão.
Depois de muito andar, o grupo chega a um casarão onde são recepcionados por um corpo feminino que cai do alto da escadaria com uma corda amarrada no pescoço.
Ao entrarem em um dos quartos, encontram Carol que até então estava desaparecida depois da maldade que fez com Julie e a mesma diz ter sido sava por uma mulher visivelmente perturbada.
Arnold e Andy veem pela janela, seu barco de volta ao cais muito possivelmente trazido de volta pela correnteza. Os rapazes mais do que rapidamente deixam as garotas para trás e vão ao cais para garantir sua volta para casa.
Depois de fazerem as pazes, Carol e Julie encontram um velho diário cujas poucas páginas legíveis fala sobre um monstro que atacou um grupo de turistas alemães anos atrás.
Arnold e Andy se dividem na volta. Arnold por sua vez encontra um túnel onde jazem uma porção de esqueletos de todos os tamanhos.
Ao se aprofundar, Arnold encontra Maggie viva, porém debilitada e sem pestanejar, ele a toma em seus braços iniciando uma fuga.
No casarão, Julie se separa das garotas e encontra um corpo decomposto em um dos quartos além de um retrato de um homem de frente para um barco.
Prestes a alcançar a saída do túnel, Arnold encontra o louco deformado que ao ver a barriga de Maggie tem uma lembrança. Neste flashback descobrimos que aquele homem se chama Nikos Karamalis que há muitos anos, naufragou junto com sua mulher Irina e seu filho que não resistiu a desidratação e a fome.
Perdido no mar, Nikos resolveu que a única forma do casal sobreviver até chegar a alguma ilha seria canibalizar o corpo do menino, porém Irina se opôs e acabou sendo morta acidentalmente quando o marido tentou arrancar um bife do próprio filho.
Tomado pela dor e pela culpa, Nikos perdeu a razão e passou a canibalizar todos que encontrava pela frente quando chegou a ilha, que em questão de tempo se tornou deserta já que seus populares viraram banquete.
De volta ao tempo presente, Nikos ataca Arnold e depois de tirá-lo de ação, remove o feto de Maggie com as próprias mãos e o canibaliza enquanto a mulher desmorona em choque.
Um tempo depois, Carol deixa Henriette sozinha para poder procurar Julie que ainda não retornou e ao encontrá-la é atacada e morta por Nikos que já estava por lá.
Desesperada, Julie pega Henriette e corre até o último andar da casa e se esconde com a garota no sótão. A medida no entanto não contém Nikos que estoura a telha e traga Henriette pelo buraco arrancando um bife de seu rosto, deixando-a agonizar.
Julie acerta a perna de Nikos na confusão e ao se dar conta que a jovem não tem salvação, ela corre para fora do casarão com uma picareta em mãos.
Na fuga, Julie acaba escorregando e colide com um poço, onde sua iminente queda é interrompida por uma corda que a segura pelo pulso.
Nikos sai de dentro da água do poço e tenta atacar a garota que consegue se livrar da corda ao mesmo tempo que Dany aparece rasgando a barriga do canibal com uma faca. O ferimento faz com que as entranhas de Nikos saltem para fora do corpo e enlouquecido pela fome, o canibal da Grécia tenta comer suas próprias tripas, porém não resiste e morre.
Apesar do enredo desenvolvido de forma confusa e abrupta, o argumento final, no qual a verdade sobre canibal enlouquecido vem a tona soube responder á muitos questionamentos, porém ainda ficou uma ponta solta: a identidade da mulher misteriosa que tentou alertar Arnold e os outros a fugirem e que possivelmente era a mesma mulher que salvou Carol levando-a para o casarão no arco final. Pelo menos para mim não ficou muito claro quem era, o que fazia e para onde foi. Duvido muito que seria a Irina e que ela tivesse sobrevivido e estivesse se escondendo de Nikos e tentando afastar os turistas de um final trágico.
Como eu já disse, os efeitos práticos foram aceitáveis, bem no nível de uma produção de Joe D'Amato mesmo. Pode se ver na cena final aquelas tripas bem feitas, o sangue realista que desta fez não era feito com tinta guache vermelho cereja como muitas produções de melhor orçamento da mesma época faziam e que cá entre nós sempre me revoltou tamanho amadorismo.
A maquiagem por sua vez ficou muito inferior a de um dublê de zumbi do trem fantasma do Play Center. Pode ver a caracterização do rosto do Nikos... parece mais que despejaram uma pá de cimento na testa dele e completaram com a careca do Beetle Juice.
Tirando o aspecto estético, a atuação de George Eastman como Nikos foi excelente garantindo no ano seguinte outro antagonista enlouquecido em outra obra de D'Amato, Absurd que tentou vender um produto parecido, porém menos chocante (não estou dizendo que o filme é ruim, muito pelo contrário, é outro slasher daqueles).
Aliás, Eastman co-escreveu O antropófago com Joe D'Amato e este por sua vez dirigiu também. Ou seja, tivemos aqui uma versão ocidental dos lendários Akira Kurosawa e Toshiro Mifune, só que ao invés de épicos longa metragens de samurais, a dupla D'Amato e Eastman se destacaram pelo terror, coisa que sabiam fazer muito bem.
Para fechar, eu só tenho a elogiar a montagem e a ambientação. A Grécia (se é que era a Grécia mesmo) foi um local muito bem escolhido com seus vilarejos barrocos, suas construções singulares e suas praias exuberantes e bastantes atrativas.
Trailer: