Não falar com estranhos é a principal instrução que nossos pais nos passam desde muito cedo para nos proteger do mundo lá fora quando é o momento das crianças serem guiadas pela vida. Porém os próprios adultos as vezes passam por cima de suas regras e acabam colocando verdadeiros lobos em pele de cordeiro em suas vidas.
Estranhos Poderes, um longa britânico de 1980 retrata fielmente o que acontece quando se dá muita intimidade e confiança a um estranho necessitado.
Tudo começa durante um passeio no parque, uma típica família britânica de classe média composto pelo casal Alan e Kate Marlowe e quatro filhos Lucy, Dave, Sam e o bebê Matthew passam um tempo de descontração até encontrar vagando lá perto uma mulher grávida suspeita, sem expressão alguma, aparentemente desorientada e solitária.
A mulher é convidada por Kate para passar a noite em sua residência que fica em uma fazenda na área campestre de Londres suspeitando que ela seja uma andarilha ou uma jovem abandonada pelos pais incompreensivos e rejeitada pelo progenitor do anjinho que está por vir muito em breve, muito breve mesmo. Alan reprova o convite, alegando que não consegue confiar neste tipo de mulher de poucas palavras que acabara de conhecer, ou mal conhecer já que ela não deu nenhuma informação pessoal ou qualquer referência.
Alan tenta convencer a mulher a ir embora, mas bastou ela cruzar a porta para convenientemente entrar em trabalho de parto lá mesmo. O mais estranho é que seu semblante é de tranquilidade, além dela não demonstrar saber como deve proceder durante as contrações tendo que ser guiada por Kate. Além disso, ela também não esboça qualquer sinal dor ou mesmo emoção com o nascimento de sua bebê e nem mesmo qualquer porcentagem de empatia pela mesma.
Ao amanhecer, o casal se dá conta que a estranha simplesmente foi embora, mas deixou sua filha enrolada em seu chale de tricô. Sem pistas, sem ter se quer o nome ou qualquer endereço de localização da estranha hóspede, a família Marlowe acaba adotando legalmente a menina que recebe o nome de Bonnie Blue, se tornando a adoração de todos.
Com poucos meses de adotada, Bonnie já trás a estranheza da morte do bebê Matthew. Tudo acontece quando Kate deixa o meninão com Bonnie no berço por um instante e quando ela retorna o encontra sem vida enrolado ao xale da adotada.
Passam-se aproximadamente um ano e a família resolve se divertir curtindo a natureza em uma espécie de campo onde tem algumas ruínas antigas adjacentes a um lago.
Lucy, que escalou um muro muito alto agora não consegue retornar chorando pelo auxílio dos pais. Aproveitando o descuido dos adultos, Bonnie dá um empurrão em Dave e depois o olha nos olhos como se exercesse algum tipo de elo hipinótico atraindo-o para longe do campo de visão de Alan e Kate. Este é o estranho poder da menina.
Quando os pais das crianças voltam ao local onde deixaram os filhos menores se dão conta que eles desapareceram e Alan põe-se a procurar encontrando primeiramente Bonnie perto do córrego aos prantos. Suspeitando que Dave caiu no lago, Alan pula na água e mergulha até encontrar a mão do filho perto da superfície.
Em terra firme, Alan tenta reanimar o menino, porém é tarde demais. O pitoresco, é que Bonnie foi encontrada com marcas de arranhões em seus braços, porém Alan inocente deduz que a caçula tentou salvar o irmão do afogamento iminente.
Passam-se mais alguns anos e Bonnie se torna a queridinha da família enquanto Sam tem sua reputação manchada pelas armações da pequena que faz tudo o que quer e ainda deixa a culpa recair nos ombros do irmão.
Kate diz a Alan que o menino tem se comportado muito mal ultimamente por conta de seu ciume pela caçula. Alan acaba pegando o menino agredindo Bonnie alegando que ela o bateu primeiro, porém não adianta, o pai lhe dá uma palmada como punição.
A noite, Alan resolve cobrir as crianças e acaba descobrindo uma ferida no couro cabeludo de Sam que é consequência de um puxão dado por Bonnie durante a briga no qual a loirinha arrancou e escondeu um chumaço de cabelo do irmãozinho.
No outro dia, as crianças se distraem no quintal quando Bonnie resolve convidar o pai e toda família para jogar um jogo de esconde esconde.
Alan encontra a todos menos Sam. O pai pergunta á Bonnie que não sabe nada do irmão e ainda nota-se que a menina perdeu seu fitinha azul de cabelo.
Preocupado, Alan perambula pela fazenda toda procurando por último no seleiro onde para sua infelicidade acaba encontrando Sam sem vida dando a entender que ele caiu de cima de um monte de feno onde provavelmente ele tentou se esconder. E adivinhem só, a fitinha de Bonnie estava próximo ao corpo. Coincidência?
A pressão pela perda de mais um filho faz Kate surtar e resolver abandonar seu trabalho para se dedicar aos filhos, pois ela se considera culpada e irresponsável. Para ajudar na recuperação do emocional da esposa, Alan leva a família para morar em um apartamento no subúrbio de Londres.
Passam-se vários anos e Kate tornou-se uma mulher ríspida com as meninas e distante com Alan, mas um milagre de natal faz o casal se dar uma oportunidade e eles reatam com uma intensa noite de amor o que não agrada Bonnie que faz de tudo para ficar entre o casal sempre chamando a atenção da mãe.
Certo dia, Bonnie entra no quarto dos pais escondida enquanto Alan dorme profundamente e desfere dois beijos seguidos nos lábios do pai que sofre alucinações e só acorda na manhã seguinte depois que Kate chama o doutor Collins, o médico da família.
Depois do devaneio, Alan passa a desconfiar de Bonnie e a observa tentar se aproximar de Lucy mais de uma vez. Alan resolve levar as filhas ao parque, porém o passeio acaba muito antes de começar, pois Bonnie usa seus poderes para descontrolar o balanço onde está Lucy que tem uma crise de pânico.
Farto, Alan acusa Bonnie de ser suspeita da morte dos filhos, pois ele julga que a menina não é normal e que só agora ele juntou as peças do quebra-cabeça percebendo que em todo local onde seus filhos eram encontrados mortos ele sempre encontrava a adotada e ela sempre deixava algum indício de seus crimes o que antes era imperceptível por que quem iria desconfiar de uma linda menininha de cabelos dourados e olhinhos azuis como safira, penetrantes e puros?
Alan ainda ameaça a permanência da menina na casa e a mesma chega neste instante se fazendo de coitada implorando para a mãe não deixa-la ir e ainda diz ama-la. Claro que Kate engole, pois segundo as palavras de Alan a maternidade a está cegando.
Alan sai de casa com Lucy passando a ficar temporariamente num hotel próximo ao mar onde interroga a menina que confirma sentir a mesma estranheza vinda da menina e ainda diz que Bonnie não brinca com suas bonecas, não interage com ela e é apática.
Um tempo depois, Alan volta a tentar fazer Kate cair em si alegando que ela está arriscando a vida de Lucy e portanto ela terá que escolher entre a adotada e sua filha de sangue, e é claro que a mulher não escolhe nenhuma entrando em surto.
Dias depois de se manterem afastados completamente de Kate, Alan e Lucy descobrem por intermédio de um jornal que Kate está internada no hospital. Lá, Alan descobre através da ginecologista que Kate passou por um período de depressão profunda e como consequência perdeu o bebê que esperava, e que ele não tinha qualquer conhecimento.
Um tempo depois, Alan e Kate se reencontram no estúdio onde ambos trabalham como ilustradores e a mãe das meninas pede o divórcio ao marido alegando não aguentar mais as desconfianças dele com relação a pobre e inocente Bonnie.
Nisto, Lucy que ficou no apartamento da mãe com a babá e com Bonnie telefona para o pai contando seu temor a irmãzinha e este diz a ela para não ficar perto da adotada, porém a loirinha pega a cena no ato e usa seus poderes para manipular a mente da irmã mais velha.
Alan sem perda de tempo dirige até a fachada do apartamento onde pega Lucy na janela dando um tchau para os pais e logo depois se joga para a morte.
Abalado, Alan sobe a toda velocidade até o andar de sua casa depois de abraçar o corpo sem vida de Lucy e tenta matar Bonnie com suas próprias mãos, porém um vizinho o impede e mais uma vez, a menina ganha a mãe no bico e esta dá um ponto final na relação.
No último ato do longa, depois de formalizar processo de divórcio, Alan passeia pelo parque junto ao doutor Colins, até dar de cara com a mesma estranha de antes, a mãe biológica de Bonnie, novamente grávida, perto de parir e na companhia de outro casal com filhos sem saber o final que os aguarda pois certamente a história dos Marlowe se repetirá com as próximas vítimas daquela desconhecida.
Estranhos Poderes é um filme britânico de valor raro, com um conteúdo rico em tensão, suspense, ótimos cortes de câmeras, uma qualidade de produção, direção e montagem muito eficientes e um enredo bem fluente, instigante e plausível.
A atuação e os trejeitos da atriz mirim Joanne Boorman que deu vida a versão crescida de Bonnie são muito convincentes e batem muito bem com a feição inexpressiva e a quase ausência de falas de Angela Pleasence que interpretou a estranha grávida não deixando dúvidas de que ambas são unidas por um laço de sangue na ficção.
Infelizmente o longa não alcançou a grandeza que merecia, porém vira e mexe é muito lembrado entre os fãs do subgênero de filmes de crianças assassinas e quase sempre entra no top 10 deste mesmo nicho; eu mesmo aprovo e recomendo como um dos melhores.
Trailer:
